
As leis orçamentárias no Brasil têm um papel crucial na definição das prioridades do país, mas a verdade é que elas se tornaram meras peças simbólicas, quase decorativas. Criadas para garantir o planejamento e a transparência na alocação dos recursos públicos, essas leis são tratadas, na prática, como autorizações genéricas – e não como obrigações concretas. Isso abre espaço para desvios, abusos e, principalmente, para a corrupção.
O que deveria ser um instrumento técnico de planejamento das ações do Estado se transformou em uma moeda política, negociada a portas fechadas, longe do controle da população. Orçamento público não é mais uma ferramenta de gestão, virou ferramenta de barganha.
A própria lógica orçamentária brasileira favorece esse cenário. O sistema permite que o Executivo altere o orçamento aprovado pelo Legislativo com relativa facilidade. Cria-se um roteiro de ficção: valores são incluídos, suprimidos, contingenciados, remanejados. O que foi debatido e votado se perde ao longo da execução, tudo isso sob o manto da legalidade, mas sem transparência. É assim que se abre a porta da corrupção institucionalizada.
A situação se agrava com práticas como as emendas parlamentares que, embora previstas constitucionalmente, são corriqueiramente usadas como moeda de troca para apoio político. Principalmente com o chamado “orçamento secreto”, que escancarou uma prática que todos sabiam existir, mas ninguém queria destrinchar os seus reais objetivos: a manipulação de recursos públicos como se fossem privados, sem critérios bem definidos, sem rastreabilidade e com destinação muitas vezes voltada a interesses pessoais ou eleitorais.
Esse tipo de condução do orçamento público desvirtua completamente o papel do Estado. O gestor deixa de ser responsável por aplicar recursos conforme as necessidades da população e passa a se comportar como um intermediador de interesses privados, quebrando a confiança da sociedade nas instituições e minando a credibilidade do serviço público.
Não se trata de afirmar que todo gasto fora do previsto é corrupção. É evidente que imprevistos existem e que a administração pública precisa de instrumentos de flexibilização, mas quando esses instrumentos viram regra, e não exceção, o planejamento deixa de existir. E sem planejamento, não há transparência. O dinheiro público passa a ser usado de forma arbitrária, conforme interesses momentâneos.
Outro fator alarmante é o cancelamento de restos a pagar — inclusive de despesas já reconhecidas e líquidas — no final de mandatos, sem respaldo financeiro. Essa prática lesa o credor, esconde o rombo fiscal e empurra o problema para a próxima gestão. É a clássica “pedalada orçamentária”, que finge equilíbrio e oculta a desordem das contas públicas.
O ciclo orçamentário brasileiro está doente, doença esta que não se combate apenas com discursos. É preciso tratar o orçamento com a seriedade que ele exige, como instrumento de responsabilidade pública e de compromisso com a sociedade. As leis orçamentárias não podem mais ser vistas como sugestões, devem ser tratadas como normas vinculantes, com planejamento real, execução fiel e fiscalização rigorosa.
Além disso, é urgente uma mudança cultural. É necessário abandonar a visão de que orçamento é um “privilégio de governo”, para assumir que ele é, na verdade, um direito do cidadão. Um direito de saber de onde vem e para onde vai cada centavo do dinheiro público.
Se queremos um país mais justo, transparente e eficiente, temos que começar pelo básico: dar sentido real ao orçamento público. Isso significa planejamento, responsabilidade, legalidade e, acima de tudo, compromisso com o interesse coletivo. Enquanto o orçamento for tratado como ficção, a corrupção seguirá sendo realidade.
Inscrita na OAB/TO 6.051-B.
Graduada em Direito pelo UniCEUB; pós-graduada em Direito Público pela Faculdade ATAME e mestranda em Direito pelo IDP. Atua como Conselheira Federal da OAB nos triênios 2022/2024 e 2025/2027, é vice-presidente da Comissão Especial de Advocacia Municipalista da OAB e integrou a Comissão de Estudos Penais da OAB (2022/2024). Desde 2023, é assessora jurídica do SEBRAE Tocantins.
Possui ampla experiência em cargos públicos, tendo exercido funções de liderança nas áreas jurídica, ambiental, urbana e educacional no Governo do Estado do Tocantins e no Município de Palmas/TO, com destaque para os cargos de Secretária-Executiva do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Tocantins e de Secretária-Executiva de Desenvolvimento Urbano e Regularização Fundiária de Palmas.